E eu com isso?

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2021, presente

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2021, presente

Quero tentar juntar aqui nossa teimosia em viver com a emoção genuína da série Mr. Robot

Amanda Mont'Alvão Veloso
Dec 24, 2021
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Arte de Raquel Zocks (@quel.zocks) compartilhada no Museu do Isolamento (@museudoisolamento)

Há algum tempo queria escrever aqui sobre (nossa) vivência apesar de tudo que atravessamos em 2020 e 2021. Sobre o subversivo ato que é insistir na vida quando a mensagem perversamente dominante é a de que nossas vidas não valem nada, seja pelo descaso, pelo escárnio ou pela violência.

Mas elas valem cada respiro, especialmente quando os ares são perigosos. Se vivemos, é porque o movimento feito é de proteção, de si e dos outros. Se a vacina foi aquilo que nos enlaçou à esperança em 2021, no ano anterior a máscara tinha dado o visível recado de que respirar é fundamentalmente um ato partilhado e, portanto, coletivo.  

No ano em que os meses se embaralharam entre perdas, sufocos e alguns inestimáveis alentos, a passagem dos dias parecia ser escrita a partir das insistências particulares. Pois o entorno e os homens do poder em nada contribuíram, a não ser para subtrair dignidade e fazer acumular descrédito e negligência.

O rol de absurdos normalizados por nosso país este ano é da ordem do incalculável; a destruição é uma abstração dolorosa e intangível.

Mas, a despeito de tudo, cá estamos, e apenas porque sustentados pela luta, pelo luto, pelo amparo e pelo sublime da cultura, dos afetos e da solidariedade.

A despeito de tudo, seguimos reanimados pelo desejo dos reencontros.

Pelo desejo de não aceitar o inaceitável e modificar a realidade em nossa volta.

Mas como inscrever a revolução no território em que a involução tornou-se política pública?

***

O caótico 2021 foi também o ano em que finalmente estreou por aqui a temporada final da série Mr. Robot, escrita e dirigida por Sam Esmail, um norte-americano filho de imigrantes egípcios que, incomodado pela maneira como a indústria cultural apresentava a cultura hacker, decidiu transformar sua crítica em uma afiada reflexão sobre desigualdade social, ética e privacidade.

Adianto a vocês que considero esta uma das melhores, mais criativas e mais sensíveis séries da atualidade; desisto de um compromisso com a imparcialidade, mas me comprometo a não deixar spoilers.

De Mr. Robot é importante saber que há um jovem profissional de segurança cibernética que explora seus impressionantes conhecimentos na área para transformar as brechas e gargalos nos sistemas em oportunidade de justiça social NO SISTEMA. É pelos olhos e pelas palavras do protagonista Elliot Alderson que acompanhamos a história, e vocês verão – se já não viram –  que este filtro faz toda a diferença.

Nem me atrevo a falar dos aspectos técnicos e narrativos impressionantes que esta série apresenta; há textos e vídeos no YouTube incríveis espalhados por aí.

No entanto me atrevo a dividir com vocês o entusiasmo extraído do ato de observar as minúcias familiares e (extra)ordinárias dos personagens, especialmente de Elliot e Mr. Robot. Poucas vezes vi os temas da vulnerabilidade, da onipotência e da saúde mental tratados com tanto respeito, honestidade e delicadeza. Nada que é humano fica de fora: em todas as relações somos apresentados tanto à brutalidade quanto à ternura, em diálogos talhados pelas contradições e pelo conflito que é inerente aos seres de linguagem.

Pode-se dizer que entramos na trama por suas intenções revolucionárias e pretensiosas, temperadas por um roteiro genial, mas nela imergimos graças aos seus inescapáveis apelos à introspecção, à angústia e à contemplação. Ou seja: o cartão de visitas é um grande e vibrante neon. Mas nossa permanência como espectadores se dá pelas portas escondidas, pela meia-luz e por aquilo que está fora da tela e da fala.

É uma série de atuações e cenas emocionantes, com uma pluralidade de arranjos afetivos inimaginável. Circulamos pelos episódios sentindo admiração, graça, choque, desconcerto, horror, asco e doçura. Enganchamos naquelas vidas com zelo, até mesmo por aqueles que escancaram nossas identificações embaraçosas.

Desse punhado de comentários elogiosos, pode existir a dúvida sobre qual o ponto de contato entre sobreviver a 2021 a acompanhar o fim de Mr. Robot.

A associação foi inesperada. Foi na despedida desta série tão aclamada que acabei encontrando uma síntese, uma faísca a iluminar o indizível que percorreu este ano. No meio de tanto tumulto e de tantos acontecimentos sem sentido, seguimos insistindo. Ou, como bem diz Elliot, seguimos aparecendo, fazendo presença mesmo quando querem nossa ausência:

“E se mudar o mundo for só estar aqui? Estar presente, mesmo nas inúmeras vezes em que escutamos que aqui não é nosso lugar? Sermos verdadeiros com nós mesmos, mesmo quando incentivados a ser falsos? Acreditando em nós mesmos mesmo quando escutamos que somos diferentes demais? Se a gente se agarrar a tudo isso, se a gente se recusar a ceder e a entrar nesse sistema, se a gente permanecer por tempo suficiente, então, talvez o mundo não tenha outra escolha a não ser mudar à nossa volta.” (tradução livre)

Todas as temporadas de Mr. Robot podem ser vistas no Amazon Prime Video. E recomendo escutar a excelente trilha sonora, criada por Mac Quayle e disponível no Spotify.

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